quinta-feira, 5 de agosto de 2010

O Psicólogo Incendiário


Muito antes de fazer essa disciplina, muito antes que meus créditos me permitisse fazer um estágio com supervisão na UnB, eu trabalhei em uma escola. De uma certa forma, tirei proveito dessa situação; por não possuir referenciais teóricos claros, observei profissionais sem nenhuma pré-conceituação teórica do que deveria estar sendo feito ali. Em uma primeira leitura, eu não tinha a menor idéia do que iria vivenciar ali. Não sabia qual era a função do Psicólogo na escola. Imaginava alguma coisa do que poderia ser a demanda, mas, honestamente, não tinha nenhuma pista.

No meu pensamento, antes dessa disciplina e da experiência profissional, minha visão sobre o papel do Psicólogo na escola era um tanto clínico. E durante minha passagem pela escola, pude presenciar diversas vezes que essa idéia também paira no imaginário da maioria dos pais de alunos. Geralmente acredita-se que o psicólogo possui saber de cura para todos os probelmas que o aluno apresenta quando está na escola. Embora o próprio staff da escola entendesse que o papel do Psicólogo ali não era clínico, depois desta disciplina eu me questiono se o lugar dado para essas profissionais era realmente os que lhe cabia.

Pois bem. Aprendi que 80% do trabalho de uma Psicóloga nessa escola era o famoso 'apagar incêndio'. Era ouvir as reclamações dos professores quanto a certos alunos, era receber alunos que foram bagunceiros em sala e o professor não deu conta (punição máxima entre eles era ser encaminhado para a psicóloga), era receber pais chamados por notas baixas ou qualquer outro assunto, ou atender alguma crise qualquer. Minha impressão era de que o psicólogo estava ali quando todos os outros recursos que a escola possuia para lidar com um problema haviam sido esgotados. Quando procedimentos pedagógicos/disciplinares tradicionais não haviam sido o suficiente, era para o Psicólogo que todos se viravam.

E até então eu acreditava ser esse o papel do psicólogo dentro da escola. Acreditava que a capacitação deveria sempre ocorrer no sentido de atender melhor essas demandas. Deveríamos aprender a apagar incendios. Nunca achei que o que deveria mudar era a demanda em si.

Hoje vejo um papel mais nobre. Sim, eventualmente apagar incêndios será inevitável. Agora continuando a metáfora do fogo, acredito ser muito mais eficaz trabalhar na observação das causas maiores para aquele fogo. Questionar o problema do aluno enquanto indivíduo dentro daquela instituição. Entender o problema como inserido em uma comunidade e impossível de ser separado desta. O problema existe como uma confluência de fatores, que envolvem o contexto, as práticas pedagógicas, as relações desse aluno na escola, o comprometimento da escola com o desenvolvimento cognitivo e afetivo desse aluno, etc.

Portanto, o psicólogo está presente para entender a situação completa e não analisar o aluno como uma peça dissociada. E ao identificar a necessidade de mudança na rede, na estrutura, deve-se assumir o papel de incendiário. O psicólogo será o responsável por criar um espaço de reflexão para os outros profissionais, alunos, diretores, enfim, todos envolvidos no sistema. Ele será o agente causador da mudança, a centelha que incentivará todos a pensarem de outra forma, a vislumbrarem os problemas através de outras lentes. A serem criativos, a construirem sua realidade e a dos outros de outra maneira. É essa identidade de psicólogo escolar que eu almejaria ver em prática. Como alguém que incendeia o velho para que se abra espaço ao novo.

Que nós possamos para de ser requisitados para apagar incêndios.

Quero me tornar uma reconhecida incendiária.

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